terça-feira, 18 de outubro de 2011

A Mensagem da Reforma para os Dias de Hoje (parte 4)


Thomas Cranmer
por F. Solano Portela Neto



IV. CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS SOBRE A REFORMA E OS REFORMADORES
Nosso apreço pela Reforma e pelas suas doutrinas não deve nos levar a uma visão utópica e idealista com relação aos seus personagens principais. Devemos reconhecer os seus feitos, mas também as suas limitações. É na compreensão da falibilidade humana que detectamos a mão soberana de Deus empreendendo os seus propósitos na história. Vejamos alguns pontos que valem a pena ser recordados:

A. Lutero foi um homem falível
As 95 Teses de Lutero realmente representaram um marco e um ponto de partida para a recuperação das sãs doutrinas. Entre as teses, encontramos expressões de compreensão dos ensinamentos da Bíblia, como por exemplo na tese 62 ("O verdadeiro tesouro da Igreja é o sacrossanto Evangelho da glória e da graça de Deus") e na tese 94 ("Os cristãos devem ser exortados a seguir a Cristo, a sua cabeça, com diligência"). Entretanto, devemos reconhecer que elas estão longe de ser, em sua totalidade, expressões precisas da verdadeira fé cristã. Elas registram, na realidade, o início do pensamento de Lutero, que seria trabalhado e refinado por Deus ao longo de estudos e experiências posteriores do Reformador. Vejamos os seguintes exemplos:
Lutero faz referência ao Purgatório, sem qualquer contestação à doutrina em si, em 12 das suas teses (teses 10,11, 15, 16, 17, 18, 19, 22, 25, 26, 29, 82). Ex.: Tese 29: "Quem disse que todas as almas no Purgatório desejam ser redimidas? Temos exceções registradas nos casos de S. Severino e S. Pascal, de acordo com uma lenda sobre eles".

Além da menção aos santos na tese acima, Lutero faz referência a Maria como mãe de Deus (Tese 75), aparentemente não no sentido histórico do termo (o termo histórico, em grego Theotokos, tinha o propósito de reconhecer a divindade de Jesus), mas no conceito católico da expressão, que infere a existência de um poder especial em Maria: Diz a Tese 75– "É loucura considerar que as indulgências papais têm tão grande poder que elas poderiam absolver um homem que tivesse feito o impossível e violado a própria mãe de Deus."

Quatro teses sugerem legitimidade ao papado e à sucessão apostólica (77, 5, 6, 9). Ex.: Tese 77: "É blasfêmia contra São Pedro e contra o Papa dizer que São Pedro, se fosse o papa atual, não poderia conceder graças maiores [do que as atualmente concedidas]."

Além disso, verificamos que resquícios do romanismo se fizeram presentes na formulação da Igreja Luterana, principalmente na sua estruturação hierárquica e na compreensão quase católica dos elementos da Ceia do Senhor. Possivelmente poderíamos também dizer que na Reforma encontramos individualismo em excesso e falta de unidade entre irmãos de mesma opinião teológica (principalmente nas interações dos luteranos com Zwinglio e Calvino). Mas, com todas essas limitações, os Reformadores foram poderosamente utilizados por Deus na preservação das Suas verdades.

B. A revolta de Lutero foi eminentemente espiritual
Não poderemos compreender a Reforma se acharmos que Lutero foi movido por uma revolta contra pessoas, contra padres corruptos, apenas. A ação de Lutero foi uma revolta contra uma estrutura errada e uma doutrina errada de uma igreja que distorcia a salvação. A Reforma não foi um movimento sociológico; Lutero não pretendia ensinar a salvação do homem pela reforma da sociedade, embora compreendesse que a sociedade era reformada pelas ações do homem resgatado por Deus. Na realidade, a Reforma do Século XVI foi um grande reavivamento espiritual operado por Deus, que começou com uma experiência pessoal de conversão.

C. Lutero não formulou novas doutrinas, ou novas verdades, mas redescobriu a Bíblia em sua pureza e singularidade
As 95 Teses representam coragem, desprendimento, uma preocupação legítima com o estado decadente da Igreja, e uma busca dos verdadeiros ensinamentos da Palavra. Mas é um erro achar que a Reforma marca a aparição de várias doutrinas nunca dantes formuladas. A Palavra de Deus, cujas doutrinas estavam soterradas sob o entulho da tradição, é que foi resgatada. Uma das características comuns das seitas é a presunção de ter descoberto supostas verdades que eram totalmente desconhecidas até que foram reveladas a algum líder. Essas "verdades" passam a ser determinantes na interpretação das demais e tornam-se o ponto central dos ensinamentos da seita. A Reforma coloca-se em completa oposição a esta característica. Nenhum dos Reformadores declarou ter "descoberto" qualquer verdade oculta. Eles tão somente apresentavam, com toda singeleza, os ensinamentos das Escrituras. Seus comentários e controvérsias versavam sempre sobre a clara exposição da Palavra de Deus.

Mais uma vez, Martin Lloyd-Jones nos indica "que a maior lição que a Reforma Protestante tem a nos ensinar é justamente que o segredo do sucesso, na esfera da Igreja e das coisas do Espírito, é olhar para trás." Lutero e Calvino, diz ele, "foram descobrindo que estiveram redescobrindo o que Agostinho já tinha descoberto e que eles tinham esquecido."

FONTE: (Publicado em O Presbiteriano Conservador na edição de Setembro/Outubro de 1997) 

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